O paraíso cristão seria o verdadeiro inferno?

07/02/2015

Scary heaven (Shutterstock)O artigo abaixo foi escrito por Valerie Tarico e publicado originalmente no site Raw Story. Tradução livre – e não autorizada, aliás

É possível que as descrições do inferno sejam tão horríveis exatamente para impedir as pessoas de pensar sobre como o Céu cristão em suas descrições populares é infernal – mesmo sem incluir figuras como Pat Robertson na receita.

A maioria dos ocidentais está, ao menos vagamente, familiarizada com a versão popular cristã do Céu: portas de pérolas, ruas de ouro, anjos alados e os justos, com seus corpos aperfeiçoados e imortais, cantando louvores a Deus para sempre. O que é surpreendente é o fato de poucas pessoas pensarem sobre o pesadelo que esse tipo de existência seria.

Mas vamos começar com um pouco mais de detalhes sobre o próprio Céu.

As descrições cristãs populares do Céu são derivadas da Bíblia

Nossas imagens familiares do Céu vêm de textos escritos nos séculos I e II e foram incorporados pelos concílios católicos no que hoje chamamos de Novo Testamento. Os escritores hebreus da Torá aludiam a uma vida após a morte muito parecida com o Hades dos gregos e romanos – um submundo obscuro em que as almas dos mortos não morriam nem eram completamente vivas. Mas no momento em que o Novo Testamento foi escrito, os conceitos de Céu e Inferno distintos haviam surgido na cultura judaica, de onde chegaram ao cristianismo primitivo e então, mais tarde, ao Islã.

Os livros do Novo Testamento foram escritos em momentos diferentes e para fins diferentes, o que significa que nem sempre concordam entre si. Embora Paulo, em Coríntios 1, diga que o Céu é além da imaginação, outros escritores oferecem detalhes concretos. A versão popular do Céu hoje é um composto de vários textos, mas depende muito do Apocalipse.

  • O céu é um lugar real. O autor de João põe essas palavras na boca de Jesus: “Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar. E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também.”(João 14: 2-3). Alguns líderes cristãos usar versículos dos profetas do Antigo Testamento para identificar a localização do Céu, sugerindo que ele está em algum lugar além do Polo Norte.
  • As pessoas no céu têm corpos. Os primeiros textos cristãos, as epístolas de Paulo, sugerem que o corpo eterno é “pneuma”, ou espírito, mas depois os escritores do Novo Testamento inclinaram-se em direção à ressurreição física de Jesus e dos crentes, embora com corpos renovados e perfeitos. Este ponto de vista foi reafirmado pelos padres da Igreja e agora é a crença cristã predominante. Disso decorre a crença evangélica que nos “Finais dos Tempos” os corpos dos crentes vão subir ao céu em um Arrebatamento. Essa crença na ressurreição dos corpos ainda é usada para explicar por que as mulheres cristãs devem manter seus corpos castos e “puros”.
  • Ornamentos de riqueza são abundantes. Muitas traduções do Evangelho de João dizem que as habitações no céu são mansões, o que se encaixa com outras descrições de opulência celestial. No livro do Apocalipse, o escritor é levado em uma visão para vislumbrar o céu por si mesmo: “E os fundamentos do muro da cidade estavam adornados de toda espécie de pedras preciosas. O primeiro fundamento era de jaspe; o segundo, de safira; o terceiro, uma calcedônia; o quarto, de esmeralda; o quinto, sardônica; o sexto, de sárdio; o sétimo, crisólito; o oitavo, de berilo; o nono, um topázio; o décimo, crisópraso; o décimo primeiro, um zircônio; o duodécimo, de ametista. As doze portas eram doze pérolas: cada uma das portas era uma pérola: e a rua da cidade era de ouro puro, semelhante a vidro transparente.”(Apocalipse 21). Deus senta-se em um trono decorado, e além de coroas, as hostes celestes estão vestidas de branco, um símbolo de pureza e um lembrete de que eles não precisam trabalhar.
  • O céu é eterno e reservado para os crentes. O versículo da Bíblia mais citado pelos cristãos protestantes é João 3:16, que reforça esses dois pontos: Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna. O autor do Apocalipse assegura que, “Ele enxugará toda lágrima de seus olhos. A morte não mais existirá; nem pranto, nem clamor, nem e dor haverá mais.”(Apocalipse 21: 4). Nesta eternidade, é sempre luz (Apocalipse 22: 5) e não há necessidade de sono (Apocalipse 7:15).
  • As crianças que morrem antes de uma “idade responsável” também irão para lá. Apesar da crença de que as crianças nascem em pecado, graças ao “pecado original”, a maioria dos cristãos acredita que as crianças que morrem cedo vão para o céu, porque a alternativa é simplesmente impensável. Como prova, eles apontam para dois versículos do livro de Mateus: “Portanto, não é da vontade de vosso Pai que está nos céus, que um destes pequeninos se perca” (Mateus 18:14). “Mas Jesus disse:” Deixem que as crianças venham a mim, e não os impeçam; pois é a eles que o reino dos céus pertence “(Mateus 19:14). Embora os cristãos tenham discordado ao longo dos séculos sobre em que momento um embrião humano adquire uma alma imortal, um processo chamado de “infusão da alma”, muitos acreditam agora que isso acontece no processo de concepção.
  • Habitantes passam seu “tempo” servindo e adorando a Deus. Mesmo que haja sempre luz, somos informados de que os santos (ou seja, os salvos) vão servir e adorar a Deus o tempo todo. Por essa razão, eles estão diante do trono de Deus e adoram-no dia e noite no seu santuário, e aquele que está assentado no trono vai protegê-los (Apocalipse 7:15). Várias passagens sugerem que os fiéis receberão coroas, para poderem então, oferecê-las como presentes para Deus. Alguns entendem isso literalmente e outros não.

Por favor, observe que eu não fiz nenhuma tentativa de analisar ou explicar o que essas passagens podem ter significado em seus contextos originais, dada a cultura e os objetivos dos escritores. Meu objetivo aqui é demonstrar de onde o cristianismo moderno obteve a imagem do Céu tantas vezes representada em hinos, sermões, arte e cultura pop.

Por que este Céu seria infernal

Para muitas pessoas, a descrição bíblica por si só é suficiente para fazer o Céu soar desagradável, especialmente se você, em seguida, adiciona a companhia de figuras públicas crentes e nocivas, como Pat Robertson, Mel Gibson, Sarah Palin, Ken Ham, e Anita Bryant. (Por que Deus tem um departamento de marketing tão ruim?) Mas o problema não é apenas a má companhia. Quanto mais de perto você olha, mais a versão bíblica do paraíso parece outra versão da tortura eterna.

Perfeição significa mesmice. Uma grande parte do que faz a vida valer a pena reside no processo de aprendizagem e descoberta, crescimento e mudança. Alegramo-nos com as novidades e rimos, porque o inesperado nos surpreende. A curiosidade é um dos nossos maiores prazeres, e crescimento é um dos nossos valores e satisfações mais profundas. Na verdade, toda a nossa armadura psicológica foi projetada para ajustar-se à mudança, inclusive nossos sentidos. Quando um som é contínuo, simplesmente paramos de ouvi-lo; uma imagem estática no olho é registrada como um ponto cego. Até a arte depende de imperfeição e novidade para criar a beleza ou para acionar o nosso senso estético.

Em contrapartida, a perfeição atemporal é estática, como os cristãos são lembrados no hino tradicional, “Deus Invisível, Imortal, Apenas ele Sábio”. Nós desabrochamos e florescemos como folhas das árvores / E murchamos e morremos, mas nada muda a Ti. No livro de Mateus, Jesus ordena: “Sede perfeitos como o vosso Pai do Céu é perfeito”, e no Céu, nos é dito, este ideal é finalmente alcançado. O problema é que perfeito significa acabado e completo. Isso significa que não há espaço para aperfeiçoamento – para  mudança e crescimento. A perfeição é estéril – em todos os sentidos da palavra.

Suas melhores qualidades são irrelevantes. Se tudo é perfeito, então muitas das qualidades que mais valorizamos em nós mesmos e nos outros se tornam irrelevantes. Compaixão e generosidade são inúteis, porque ninguém está machucado ou precisando… de qualquer coisa. Perdão? Não é necessário. Criatividade? Coragem? Tenacidade? Determinação? Visão? Tudo inútil. Sigmund Freud disse uma vez que a saúde mental é a capacidade de amar e de trabalhar, mas no estado de perfeição ambas as coisas perdem o seu significado. Não há necessidade de criar ou produzir, e pouco valor em oferecer o nosso carinho e o nosso compromisso com a outra pessoa, que é 100 por cento perfeita e completa sem nós.

Acaba a emoção do risco. Além de amar e criar, algumas das experiências mais emocionantes da vida exigem risco. Imagine-se deslizando em uma pista de esqui quase fora de controle; saltando de um avião; pilotando um carro de corrida; surfando; ou atuando em um palco. A onda de adrenalina durante – o barato – e a euforia depois só ocorrem porque, apesar da nossa habilidade e preparação, havia alguma chance de que falharíamos.

Esqueça prazeres animais, como alimentos, bebidas, sono e sexo. Será que Jesus ressuscitado, com seu corpo novo e perfeito, tem pênis ou ânus? Os anjos? Comer, beber, ou fornicar – cada um desses prazeres físicos depende de fome de um tipo ou de outro. Água gelada tem um sabor ainda mais celestial quanto mais estamos com calor e sede. Adormecer é mais delicioso quando você simplesmente não consegue ficar em pé por mais tempo. A realidade é que nossos corpos e cérebros foram feitos um para o outro e otimizados para a vida neste planeta, onde nossos prazeres estão ligados à sobrevivência.

Para tornar as coisas mais complicadas, somos predadores em uma complexa teia de vida. A alimentação que nos dá tanto prazer sensorial e sustento simultaneamente destrói outras vidas e cria resíduos. Os cristãos discordam sobre se haverá refeições no céu. Alguns chamam a atenção para o “banquete” que aparece no livro de Apocalipse e tranquilizam os glutões em relação a que comer e beber faz parte do paraíso. Mas ninguém se atreve a especular sobre o matadouro e o esgoto perfeitos.

O livre-arbítrio deixa de existir.  Alguns cristãos explicam a presença do sofrimento e do mal aqui na terra como a maneira que Deus encontrou de criar criaturas que iriam amá-lo livremente – dando-lhes a opção de rejeitá-lo. Mas essa é exatamente a condição oposta à que eles preveem para o céu. No céu, não há nenhum pecado, nenhuma opção para o pecado, e assim, por definição do próprio cristianismo, não há livre-arbítrio. (Alguns céticos salientam que “me ame ou eu o torturo para sempre” não cria exatamente as condições de um amor genuíno. Por que, perguntam eles, um Deus que quer amor a ser dado livremente nos ameaça com o inferno?) Filósofos seculares e neurocientistas debatem  se o livre-arbítrio é real ou apenas mera e adaptativamente uma ilusão. De qualquer forma, na versão do Céu da Bíblia, até mesmo a ilusão desaparece.

Noventa e oito por cento dos ocupantes do Céu são embriões e crianças. A reprodução humana é concebida como um grande funil. A morte atinge mais os ovos fertilizados que morrem antes da implantação (http://valerietarico.com/2015/01/09/who-aborts-the-most-fertilized-eggs-families-like-the-duggars/), seguido de embriões e fetos auto-abortados, seguido de bebês e, em seguida, crianças pequenas. Uma análise estatística séria, mas surpreendente, feita pelo pesquisador Greg S. Paul sugere que, se incluirmos os nascituros, mais de 98 por cento dos habitantes do Céu, cerca de 350 bilhões, seria composto daqueles que morreram antes de amadurecer a ponto de poderem voluntariamente “aceitar o presente da salvação”. A grande maioria dos exércitos celestiais seria composta de autômatos morais ou robôs, ou seja, seres que nunca tiveram autonomia moral e nunca escolheram estar lá. Crentes cristãos, ironicamente, seriam uma minoria de 1 a 2 por cento.

As implicações teológicas são enormes. Teólogos cristãos normalmente explicam o mal com o argumento de que este era o melhor de todos os mundos possíveis, a única maneira de criar o livre-arbítrio e desenvolver virtudes morais (como coragem, compaixão, perdão e assim por diante), para nos tornar mais semelhante a Cristo e nos preparar para o céu. Mas se olharmos os números, parece que Deus não precisava de toda essa coisa – livre-arbítrio/pecado/redenção – para encher o seu paraíso com seres perfeitos porque nenhum sofrimento, o mal, ou a liberdade moral é realmente necessário como um prelúdio para a glória.

A proporção de adultos para embriões tem implicações sociais. Conselheiros pastorais às vezes dizerm a uma mulher que ela terá que se desculpar no Céu com o feto que ela abortou, que será uma pessoa totalmente desenvolvida lá. Como psicólogo, eu não sei o que isso significa, porque o cérebro e a mente, a nossa individualidade e identidade, e as qualidades que definem nossa personalidade desenvolvem-se apenas com a experiência. Imagine se 98 por cento do “povo” em torno de você nunca tiver tomado uma decisão ou sentido tristeza ou experimentado qualquer coisa semelhante a uma conversa adulta. A companhia do Sr. Robertson começa a não parecer tão ruim.

Joias  e ruas de ouro definem a riqueza celestial e a beleza. – Nossos desesperados ancestrais, pastores de cabras da Idade do Ferro, podem ter ansiado pela pompa da realeza. Eles podem ter ouvido rumores do ouro e das joias acumuladas por faraós ou reis ou senhores da guerra tribais e desejavam o mesmo para si. Tanto a ganância como a desigualdade são atemporais, e a história do rei Midas tem aparecido em inúmeras variações ao longo dos milênios. Assim, o fascínio dos escritores da Bíblia por ouro e pedras preciosas é compreensível.

Mas vamos ser honestos. Seu paraíso incrustado de pedras preciosas é o produto da imaginação limitada, o desafio que todos nós enfrentamos na tentativa de sonhar para além das artes, tecnologias e mitologias de nosso tempo e cultura. A versão da Bíblia do paraíso é como uma pintura sobre veludo de uma loja de turismo, quando comparada a um real prado nos Alpes, ou a uma floresta enevoada, ou a um recife de coral (ou, quando comparada a um mundo que contenha todos os três como Tracy Chapman fez em sua canção, Heaven’s Here in Earth.

Faça a sua escolha entre sadismo e ignorância. Um dos pequenos segredos sujos do Céu é que ele coexiste com o inferno. Ou talvez não seja um segredo. Talvez seja um privilégio. Alguns teólogos argumentam que testemunhar o tormento dos condenados é uma das alegrias do paraíso. Nas palavras do superstar puritano Jonathan Edwards (1703-1758), que fez um sermão inteiro sobre o tema: “Quando os santos em glória, portanto, puderem ver o estado lastimável dos condenados, como isso vai aumentar a sensação de bem-aventurança de seu próprio estado, tão extraordinariamente diferente dele! Quando eles puderem ver quão miseráveis os seus semelhantes são, que estavam naturalmente nas mesmas circunstâncias que eles mesmos; quando virem a fumaça do seu tormento, e a fúria das chamas de sua fogueira, e ouvirem seus gritos dolorosos e gritos, e considerarem como estão em estado mais feliz, e certamente isso ocorrerá por toda a eternidade; como eles vão se alegrar!”

Se formos levar a acreditar a sério as mensagens cristãs de ódio que Bonnie Weinstein da Military Religious Freedom Foundation compilou em um livro, ou nas “cartas de amor” lidas em voz alta pelo biólogo Richard Dawkins (observando-o lutar com a palavra “biatch” não tem preço!), parece que alguns dos fiéis pelo menos mal podem esperar para o show começar.

Outros cristãos, para ser justo, acham esse pensamento horrível ou mesmo traumático, e alguns ensinam a salvação universal, em que os malfeitores são simplesmente aniquilados. Mas para os que acreditam no inferno as alternativas para o regozijo não formam um conjunto muito melhor: ou os fiéis são abençoada e alegremente indiferentes ao sofrimento sem fim dos condenados, ou a alegria deles depende de serem ignorantes, ou seja, a ignorância é uma condição da sua eterna bem-aventurança .

O dia (e a noite) de trabalho celestial consiste em cantar louvores a Deus. O que os fiéis fazem no céu? A mesma coisa que os anjos fazem. Eles adoram a Deus e cantam em seu louvor. O escritor do Apocalipse até nos oferece uma música como amostra. Em uma passagem, 24 anciãos “prostravam-se diante do que estava assentado sobre o trono, e adoravam o que vive para todo o sempre; e lançavam as suas coroas diante do trono, dizendo: digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas”. (Apocalipse 4: 10- 11). Como um graduado da Evangel College (Assembleias de Deus) observou ironicamente: “Depois de ter passado algum tempo na Coréia do Norte, onde a música de louvor é obrigatória e incessante e a propaganda a tudo permeia, às vezes me pergunto se os líderes dinásticos lá de alguma forma andaram folheando um antigo livro de leituras”.

Alguém já disse que o único Deus digno de adoração é aquele que não quer nem precisa disso. O que devemos pensar de uma divindade que cria a Terra e seus habitantes – na verdade todo o universo – para que uma multidão de primatas bípedes, a maioria dos quais sequer nascidos, possa passar a vida após a morte nessa postura de louvor e adulação?

Este céu existirá para sempre. A maioria de nós preferia viver mais tempo do que o tempo qie fpo previsto para nós. O envelhecimento é uma porcaria, e perder um ente querido é uma das feridas mais dolorosas que podemos experimentar.

Mas para sempre? Para sempre significa infinito. Nunca termina. Pense na melhor experiência possível que você pode imaginar – sua sinfonia favorita, ou o concerto rock mais maneiro, o lugar mais bonito para onde você viajou, o sexo mais íntimo ou intenso que já teve, abraçar seu filho…. Qualquer um deles, esticado até o infinito, torna-se impensável.

Escritores de ficção que exploram a sério a ideia de imortalidade raramente tratam-na como algo a desejar, e por boas razões. Mesmo as crianças compreendem os problemas, por exemplo, quando leem o livro Vivendo na Eternidade. O autor Edgar Shoaff coloca sem rodeios: Imortalidade – um destino pior que a morte. O filme Feitiço do Tempo é uma comédia. Mas parte da graça está na matriz insana de tentativas de suicídio que Bill Murray faz a fim de parar de viver no mesmo dia de novo e de novo. O que pode um habitante do Céu que eu acabei de descrever fazer para deixar de existir?

Poderia um Deus onipotente criar uma vida após a morte, que fosse, na verdade, alguma forma de paraíso? Talvez. E, sem dúvida, pessoas que acreditam na Bíblia e que sofreram ao ser este artigo irão insistir que seu Deus fez exatamente isso. Alguns vão voltar às palavras de Paulo e clamar, com autoridade bíblica, que eles (e eu) não têm ideia de a que o Céu é semelhante – a não ser que é eternamente maravilhoso.

Mas o fato é que os cristãos ao longo dos séculos têm afirmado que têm uma ideia de como o Céu é. Os escritores do Novo Testamento, os Padres da Igreja, os monges, iconógrafos, cruzados, inquisidores, reformistas, conquistadores, missionários, padres, freiras, professores de escolas dominicais, benzedeiras, televangelistas… Por quase dois milênios aqueles que creem na Bíblia têm procurado atrair crianças pequenas, pobres desesperados e pessoas vulneráveis ou ávidos por uma fé, prometendo o tipo de vida eterna de mau gosto, aviltado, descrito acima. Eles ainda fazem isso hoje. A venda de ações desse Céu é uma indústria multibilionária.

Coroas e vestes brancas e ruas de ouro e coros angélicos têm sido a cenoura do cristianismo, com a ameaça de tortura eterna como a palmatória. Milhões de pessoas viveram e morreram, temendo um e antecipando o outro, nunca percebendo o truque mágico – eles são duas versões da mesma coisa.

2 Respostas to “O paraíso cristão seria o verdadeiro inferno?”

  1. Leila Barbosa said

    Preciso de um dia inteiro para responder este artigo, mas posso de cara lhe dizer que você está bastante mal informado sobre o departamento de marketing do céu.

    • labdrnin said

      Tome quantos dias quiser, Leila. Será uma honra publicá-la. Mas o “mal informado” no caso não sou é, seria a autora do artigo, Valerie Tarico. Beijo

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